#29 - Preço é Diferente de Valor
Como seu cliente realmente decide quanto vale seu produto.
Bem-vindo à edição #29 da "Jornada SaaS"! 👋
"Seu preço está muito baixo."
Foi isso que Luísa ouviu depois de passar umas boas horas debruçada sobre planilhas, calculando custos e margens do seu novo SaaS. A frase veio de um potencial cliente que ela tinha certeza que reclamaria do preço — afinal, ela tinha calculado tudo com tanto cuidado justamente para não "assustar" ninguém.
O comentário a deixou confusa. Como assim, baixo demais? Ela tinha certeza que sua margem de 70% era até "gulosa" demais.
Mas aquele comentário foi só o começo. Nos dias seguintes, mais sinais apareceram: leads qualificados que simplesmente desapareciam após ver o preço, outros que questionavam se o suporte seria realmente bom "cobrando tão pouco", alguns que nem perguntavam o preço — estavam mais interessados em saber como o produto poderia ajudar seus negócios.
Se você já passou por algo parecido com esse relato que acabei de inventar, ou está prestes a lançar seu primeiro SaaS, essa edição é pra você. Vamos falar sobre o maior erro que cometemos ao precificar produtos — e por que esse erro é ainda mais grave quando falamos de vender um software.
Talvez você questione algumas premissas que nem saiba que tem.
Por que nosso instinto de precificação está errado
Existe algo profundamente enraizado no nosso DNA: a ideia de que preço justo é custo + uma margem razoável. Faz sentido, não é? Afinal, foi assim que o comércio funcionou desde sempre.
Mas quando falamos de SaaS, essa lógica desmorona completamente.
Pense no Instagram. Quanto custa para entregar uma foto para mais um usuário? Praticamente zero. O mesmo vale para quase qualquer sistema: o custo marginal de atender mais um cliente é insignificante comparado à estrutura inicial.
É aí que mora o primeiro problema da abordagem "custo + margem": em produtos escaláveis, o custo unitário tende a zero conforme você cresce. Se baseássemos o preço apenas nos custos, teríamos que reduzir o preço conforme crescemos. Absurdo, né?
E tem mais.
Nosso viés técnico nos trai nesse momento. Programadores e profissionais do mundo digital são treinados para pensar de forma lógica e estruturada. Queremos que tudo faça sentido matematicamente. Essa necessidade de lógica cartesiana nos leva a procurar fórmulas e equações para algo que é essencialmente humano e, portanto, irracional.
É como tentar usar argumentos lógicos para explicar por que alguém paga R$50 em um café "especial" quando poderia pagar R$5 em um café "normal". A diferença não está no custo de produção — está na experiência, no status, na narrativa que o cliente conta para si mesmo sobre aquela escolha.
Quando seu cliente decide pagar por um SaaS, ele não está comprando código ou infraestrutura em nuvem. Ele está comprando uma transformação, uma solução para um problema que o incomoda. E o valor dessa solução não tem absolutamente nada a ver com quanto custou para desenvolvê-la.
Um exemplo prático: imagine um software que automatiza a geração de relatórios contábeis. Se ele economiza 20 horas por mês de um contador que cobra R$200 por hora, ele está gerando R$4.000 de valor mensal. O custo de desenvolvimento é irrelevante nessa equação.
Mas mesmo esse cálculo é simplista demais. Porque além da economia direta de tempo, existe o valor da:
Redução de erros e retrabalho
Paz de espírito de saber que está tudo em ordem
Capacidade de atender mais clientes
Possibilidade de focar em trabalhos mais estratégicos
Diferenciação no mercado por usar tecnologia avançada
E é aqui que diferentes modelos de negócio exigem diferentes abordagens. Um SaaS voltado para autônomos não pode ser precificado da mesma forma que uma solução para grandes empresas, mesmo que os custos de desenvolvimento sejam parecidos. Não é apenas uma questão de capacidade de pagamento — é uma questão de contexto completo de uso.
Por exemplo, o mesmo sistema de automação contábil pode valer R$197/mês para um contador autônomo e R$4.997/mês para um escritório com 20 contadores. Não porque os custos são diferentes, mas porque o valor gerado e o contexto de uso são radicalmente diferentes.
O papel da escala e por que isso muda tudo
Quanto mais você cresce, mais seus custos fixos se diluem, mais sua marca se fortalece, mais dados você coleta para melhorar o produto. É um ciclo virtuoso que não tem absolutamente nada a ver com a lógica linear de "custo + margem". A escala do SaaS muda completamente a equação.
É por isso que muitas vezes vemos produtos tecnicamente similares com preços radicalmente diferentes. Não é o código que determina o valor — é o problema que ele resolve, para quem ele resolve, e o contexto completo dessa solução.
Entender isso é libertador. Você deixa de se amarrar no custo e começa a focar no que realmente importa: o valor que seu produto gera para o cliente e como esse valor é percebido em diferentes contextos.
Agora vamos explorar como esse valor é percebido de formas diferentes por diferentes pessoas — e por que isso é crucial para sua estratégia de preços.
Como seu cliente realmente decide comprar (ou não) seu SaaS
Se você já se perguntou por que alguns clientes nem piscam ao ver seu preço enquanto outros acham caro mesmo com desconto, a resposta está em um lugar que raramente olhamos: o mecanismo mental por trás das decisões de compra.
Nosso cérebro processa valor de uma forma que pode parecer ilógica à primeira vista. Não é uma calculadora fria comparando funcionalidades e preços — é uma máquina de significados e contextos.
Lembra daquela edição onde falamos sobre os níveis de consciência do comprador? Ali já tínhamos uma pista importante desse enigma: um cliente que está apenas começando a reconhecer que tem um problema (nível 2 de consciência) enxerga seu produto de forma completamente diferente de alguém que já está pesquisando ativamente soluções (nível 4).
Mas isso é apenas o começo.
Assim como existe uma hierarquia de necessidades para seres humanos (a famosa pirâmide de Maslow), existe uma hierarquia similar para soluções SaaS.
Na base, temos necessidades funcionais básicas — seu software precisa fazer o que promete, ser confiável, estar disponível. Mas conforme subimos na pirâmide, entramos em território mais sutil.
No meio da pirâmide, temos necessidades de eficiência e produtividade. Não basta funcionar — precisa funcionar bem, economizar tempo, reduzir erros.
No topo, chegamos a necessidades de realização e status. Seu SaaS não é mais apenas uma ferramenta — é um meio de transformação, de diferenciação no mercado.
Diferentes personas processam valor de formas distintas
É por isso que o mesmo sistema de CRM pode ser visto como "caro demais" por um pequeno empreendedor focado em funcionalidades básicas, e ao mesmo tempo ser considerado "investimento estratégico" por outro que enxerga a ferramenta como meio de profissionalização e crescimento.
O contexto de mercado amplifica ainda mais essas diferentes percepções. Em momentos de crise, as necessidades básicas ganham mais peso. Em períodos de crescimento, aspectos transformacionais e intangíveis se tornam mais relevantes.
Cada persona tem seus próprios filtros mentais, formados por experiências passadas, conhecimento do mercado e objetivos pessoais. Um diretor financeiro pode ver seu SaaS principalmente pela ótica da redução de custos. Um gerente de operações pode focar mais na padronização de processos. Um CEO pode estar mais interessado no potencial estratégico.
O truque não é tentar mudar esses filtros — é entender como eles funcionam e alinhar sua comunicação de valor com eles. É por isso que uma única solução SaaS precisa frequentemente de diferentes narrativas para diferentes públicos quando atende um mercado horizontal (amplo) e não vertical (nichado).
Repensando Suas Decisões de Preço
Recentemente, minha esposa e eu decidimos ir atrás de um arquiteto para projetar nossa casa. Como bom planilheiro, comecei fazendo uma pesquisa de mercado. Os arquitetos que contatamos tinham um processo bem estruturado: reunião de briefing, apresentação do portfólio, e só então enviavam propostas — que variavam entre R$20 mil e R$40 mil (bem mais caro do que imaginei que seria).
Em um devido momento, por indicação, chegamos a um arquiteto pelo WhatsApp. Com apenas 5 minutos de conversa e algumas fotos de projetos realmente bonitos como portfólio, ele já mandou sua proposta: R$7 mil.
Sabe qual foi nossa reação imediata? "Tem algo errado aí". Mesmo com um portfólio sólido e uma indicação confiável, o preço estava tão abaixo do padrão de mercado que, em vez de nos alegrar com a "barganha", gerou desconfiança. A ausência do "ritual de venda" que os outros tinham, combinada com um preço muito inferior, fez a proposta parecer menos profissional — mesmo que o trabalho final pudesse ser igualmente bom.
Essa experiência me fez refletir sobre como nossos clientes SaaS podem se sentir quando precificamos nossos produtos muito abaixo do mercado, achando que estamos sendo "competitivos".
O mais fascinante é que essa reação acontece em praticamente qualquer mercado competitivo. Seja um vinho, um carro de luxo ou um software — preços muito abaixo do padrão raramente são interpretados como "boa oportunidade". Na maioria das vezes, são vistos como sinais de alerta.
E não é só questão de confiança. Quando você precifica muito abaixo do mercado, está “sem querer querendo” redefinindo o valor percebido de todo seu produto. É como se você estivesse dizendo: "Isso aqui vale menos do que você pensava".
Pense nas suas próprias decisões de compra. Quantas vezes você escolheu a opção mais cara entre duas similares, simplesmente porque o preço mais alto passava mais confiança? Quantas vezes deixou de considerar uma opção mais barata por parecer "boa demais para ser verdade"?
Agora, olhe para seu próprio produto e reflita com honestidade:
Seu preço atual reflete o valor real que você entrega ou apenas seus custos?
Como seus clientes interpretam seu posicionamento de preço em relação ao mercado?
Qual história seu preço está contando sobre seu produto?
E talvez a pergunta mais importante: se você dobrasse seus preços amanhã, que mudanças precisaria fazer no seu produto ou serviço para justificar esse aumento? Muitas vezes, a resposta para essa pergunta revela oportunidades de precificação que estávamos ignorando.
Na próxima edição, vamos mergulhar ainda mais fundo nessa questão, explorando como nosso cérebro processa o preço e percebe valor. Vamos descobrir por que algumas estratégias de preço funcionam melhor que outras, e como podemos usar esse conhecimento a nosso favor.
Mas por enquanto, convido você a fazer um exercício prático: liste três produtos ou serviços que você usa e considera caros, mas continua pagando. Para cada um, responda:
Por que você começou a usar?
Por que continua usando mesmo achando caro?
O que precisaria acontecer para você cancelar?
Nos vemos na próxima semana, quando vamos desvendar os mecanismos mentais que fazem seu cliente decidir se seu preço é "caro" ou "barato", independentemente do número em si.
A percepção de valor tem muito mais a ver com contexto e história do que com números em uma planilha.
Não se esqueça: conhecimento é poder, mas conhecimento compartilhado é poder multiplicado. Se você achou esses insights valiosos, provavelmente conhece outros empreendedores e profissionais do mercado SaaS que também se beneficiariam deles. Que tal encaminhar esta newsletter para eles? Afinal, no ecossistema SaaS, quanto mais todos crescemos juntos, mais oportunidades surgem para todos nós.
“Semanário” de bordo
Essa foi uma semana muito produtiva! Finalmente concluí o MVP do meu novo SaaS que vinha comentando nas últimas edições — uma plataforma que ajuda profissionais liberais, especialmente da área da saúde e estética, a conseguirem mais clientes através do WhatsApp.
O foco é unir marketing e tecnologia de forma simples, permitindo que esses profissionais criem e enviem campanhas efetivas para seus contatos. Já enviei para alguns parceiros estratégicos testarem a ferramenta, e o feedback inicial tem sido animador.
Nas próximas semanas, devo começar a rodar algumas campanhas de tráfego para o lançamento oficial da plataforma. Estou ansioso para ver como o mercado vai reagir!
Indicações da Semana
📄 Artigo: Os 5 Níveis de Consciência do Comprador [link aqui]
Se você se interessou por como as pessoas percebem valor de formas diferentes, vale a pena dar uma olhada nesse artigo que publicamos algumas semanas atrás. Nele, exploramos como clientes em diferentes estágios de consciência do problema percebem valor de maneiras distintas - algo que se conecta diretamente com o tema de precificação que discutimos hoje.
📺 Filme: Animais Noturnos - Prime Video [link aqui]
Assisti umas semanas atrás "Animais Noturnos" e fiquei impactado. É um suspense psicológico que te prende do início ao fim, com momentos de tensão que chegam a ser perturbadores. O filme trabalha em diferentes camadas narrativas e vai ficando cada vez mais intenso conforme a história se desenvolve. Não é um filme leve, mas é daqueles que te fazem pensar por dias depois de assistir.
Obrigado por ler até aqui!
Espero que esse conteúdo tenha valorizado seu produto pra você :)
Nos vemos na próxima edição da “Jornada SaaS”!
Abraço,
Ronaldo Scotti
é sempre uma importante lição a se lembrar.